terça-feira, 14 de setembro de 2010

A escalada do Nevado Urus, por Gilmar Oliveira




A escalada do nevado URUS (5420m) foi planejada há um ano quando havíamos retornado com sucesso de Huayhuash, considerado um dos circuitos de trekking mais difíceis e belos do mundo também localizado no Peru. Em princípio, eu, Fábio e Rafael havíamos programado escalar três montanhas na temporada 2010: Ishinca (5.530m), Urus (5.420m) e Pisco (5.752m). Mais tarde, revendo nosso planejamento inicial e o tempo que disporíamos para realizar a expedição, que também incluía o tradicional Trekking Santa Cruz, decidimos manter somente Ishinca e Urus porque compartilham o mesmo campo base.

O nevado Urus está localizado na Cordillera Blanca, uma cadeia de montanhas próxima da
cidade de Huaraz que compreende nevados importantes como o Huascarán (6.768m) e oHuandoy (6.535m). O ponto de partida para a escalada do nevado Urus começa no vilarejo de Cochapampa, uma das entradas para o Parque Nacional Huascarán após cerca de 1 hora e meia de carro ou van saindo de Huaraz.
A trilha partindo de Cochapampa até o campo base tem aproximadamente 15km, não oferece dificuldades e pode ser feita em 5 ou 6 horas de caminhada por longos trechos planos e subidas relativamente suaves. O campo base para subir o Urus também é o mesmo utilizado para subir os nevados Ishinca (5.530m), Tocllaraju (6.032m) e Ranrapalca (6.162m), escaladas clássicas da Cordillera Blanca procuradas por alpinistas do mundo inteiro.

Depois de 4 horas de trilha, iniciada sob um forte sol, chegamos ao campo base Ishinca debaixo de uma forte nevasca. O tempo mudou rapidamente cerca de 3km antes do campo base e, como o nosso guia Alberto Hung imprimiu um ritmo forte na trilha, acabamos chegando antes das mulas e de todos os equipamentos de camping. Tivemos que utilizar um abrigo rústico para evitar o final da nevasca e o frio intenso até a chegada das mulas. O campo base (zona de aclimatação Ishinca) está localizado numa altitude de 4.400m.

O nevado Urus é considerado uma escalada fácil na referência dos guias peruanos e é muito
usado para aclimatação de alpinistas que se preparam para desafios maiores nas montanhas da Cordillera Blanca, mas, não tente fazê-la sem um bom preparo físico e aclimatação adequados. A trilha até o glaciar é acidentada, muito exigente e sempre com a inclinação de 45º a 50º (vide foto abaixo). Depois desse ponto é necessário usar os equipamentos de alpinismo (grampons e piolet de travessia, por exemplo). O tempo total de subida até o cume do nevado Urus pode levar entre 5 e 6 horas, segundo as referências de guias locais.

Às 3h da madrugada eu e o guia Alberto Hung partiríamos rumo à tentativa de escalada do
nevado Urus. A escalada ao Ishinca no dia anterior causou algumas baixas na equipe e todos estavam muito cansados para encarar mais uma montanha. Eu, ao contrário, estava muito bem fisicamente porque acabei retornando logo no início da subida ao Ishinca, devido a problemas de adaptação e resistência da Alê ao forte frio da madrugada no campo base (-10º C).

Saímos do acampamento às 3h10 da madrugada, depois de acordar às 2h30, tomar chá de coca e um café da manhã preparado pelo cozinheiro Frael. Eu estava sem fome, mal consegui comer alguma coisa porque estava mais preocupado com a escalada, afinal, não tinha vivido a dura experiência de meus companheiros no dia anterior no nevado Ishinca. Também seria a primeira escalada em um nevado e até então não havia utilizado botas duplas (plásticas), grampons e piolets e nem experimentado o frio e a adrenalina de uma parede de gelo e neve. Enfim, para mim era uma experiência nova e não tinha a certeza de que seria possível atingir o cume.

A subida começou muito forte, com o guia Alberto imprimindo um ritmo tão forte que mesmo um trekker preparado teria dificuldades para acompanhá-lo. Foi necessário dosar um pouco o ritmo para não arriscar um desgaste muscular prematuro. Subimos tão rapidamente que quando chegamos ao glaciar o dia sequer havia amanhecido. O dia ainda estava clareando e o relógio marcava 5h50 quando paramos na entrada do glaciar para colocar os grampons, o baudrier e nos “encordarmos”. Entramos no glaciar pouco depois das 6 horas e estava realmente muito frio. Sentia normalmente os pés aquecidos com a bota plástica, mas, não podia sentir os dedos das mãos, apesar das luvas de goretex. Pra piorar, a água armazenada no tubo plástico do streamer (hidratação) começou a congelar e foi difícil reverter o processo até a chegada do sol. Começamos a subida do glaciar com uma inclinação muito forte (entre 50º a 60º). Alberto foi à frente definindo nosso caminho e a visão a partir daquele momento foi impressionante.

Mais acima veríamos que ainda seria necessário vencer um longo e inclinado trecho de rocha e depois outro glaciar (desta vez menor) para atingir finalmente o cume do nevado Urus. No trecho de rocha minha câmera fotográfica caiu e pensei naquele momento que, se chegasse realmente ao cume, não teria registro das imagens. Alberto desceu uns 10 metros e pegou a câmera, que por sorte não havia quebrado. Aproveitou para tirar uma foto e registrar aquele momento.

Depois de vencer o longo trecho de rocha e usando os grampons (não tiramos porque mais acima havia outro glaciar) chegamos ao trecho final onde havia uma pequena passagem de acesso ao cume. Como é costume dos guias de alta montanha no Peru, o cume é oferecido aos alpinistas guiados e, naquele momento, às 7h50, finalmente vencemos os 5.420m do nevado Urus. A subida total foi feita em apenas 4h40 eu estive muito bem fisicamente durante toda a escalada e não sentia qualquer efeito da altitude, por isso prossegui até o final.
A visão do cume é impressionante. Ficamos de frente para as mais altas e belas montanhas da Cordillera Blanca, especialmente o Tocllaraju (6.032m) que tem um glaciar fascinante visto daquela posição. O cume do nevado Urus é muito pequeno, uma pequena parede de gelo onde podem ficar, no máximo 3 ou 4 pessoas com o mínimo de conforto.

Aproveitei para dar um zoom sobre o nevado Ishinca (5.530m), em homenagem ao amigo Rafael que chegara ao cume daquela montanha no dia anterior, e para registrar todas as imagens possíveis dos nevados que cercam a região. Apesar de ter alcançado o cume muito cedo, decidimos permanecer por lá o tempo suficiente para tirar fotos e comer um lanche. Sabíamos que o caminho de volta seria difícil e que a forte decida por um terreno misto de pedra e gelo não seria propriamente uma brincadeira. Às 8h30 retiramos os grampons e deixamos o cume do Urus, rumo ao campo base. A descida pelo glaciar é muito rápida e até um pouco divertida (fora os escorregões que são comuns devido à forte inclinação da parede e inexperiência minha com o tipo de terreno). Ao sair do glaciar também foi um desafio vencer a mistura de grandes pedras soltas e neve pelo terreno seguinte. Mais abaixo, já de volta à trilha propriamente, com o sol forte batendo sobre o terreno úmido pela neve formou-se uma verdadeira lama e manter-se de pé foi outro desafio. Apesar disso, descemos com muita rapidez. Depois de exatos 2h30, às 11h da manhã, estávamos de volta ao campo base. A galera ficou filmando a nossa descida desde a saída do glaciar e, ao chegar, aproveitamos para comemorar o feito tomando uma merecida cuzquenã (em minha opinião a melhor cerveja do Peru).

Eu, Evandro, Alberto Hung, Fábio, Frael e Rafael, tomando uma cuzquenã

Um comentário:

Daniele disse...

Muito bom!!
Experiência bravamente realizada e contada.
Parabéns a todos!

P.S Quando vai sair um livro com essas tantas histórias especiais??

Abraços

Daniele